Mahmoud Darwich (Al-Birweh, 1942 – Houston, 2008), poeta e escritor palestino. A vila em que nasceu foi inteiramente arrasada pelas forças militares do colonialismo sionista em 1948, durante a Nakba, e a família do poeta refugiou-se no Líbano, onde permaneceu por um ano. Voltou clandestinamente ao seu país e descobriu que o vilarejo onde nasceu fora destruído por uma colônia sionista. Mahmoud Darwish foi preso diversas vezes entre 1961 e 1967, e a partir da década seguinte passou a viver como refugiado até ser autorizado a retornar à Palestina, para comparecer a um funeral, em maio de 1996. Darwish é o autor da Declaração de Independência Palestina, escrita em 1988 e lida pelo grande líder palestino Yasser Arafat. Membro da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), afastou-se do grupo em 1993, por discordar dos Acordos de Oslo. Darwish é considerado o poeta nacional da Palestina. Seu trabalho foi traduzido em mais de 20 línguas.
Carta do exílio
1.
Saudações… e um beijo na face
Que mais posso dizer?
Por onde começo? Onde termino?
Implacável é o tempo…
E o que possuo no exílio?
Uma bolsa, pão seco, paixão
E um caderno que carrega
Uma parte do meu fardo.
Cuspi em suas páginas o que me incomodava de ódio
Por onde começo?
E o que se disse e o que se diz depois de amanhã
Não termina com um abraço… ou um toque de mão
Não retorna o estrangeiro ao seu lar
Não despeja a chuva
Não faz brotar as pernas na asa de ave perdida… cansada.
Por onde começo?
Saudações… um beijo… e então…
2.
Digo ao rádio… Diga-lhe que estou bem
Digo ao pássaro
Se encontra-la, ó pássaro,
Não se esqueça de mim e diga: Bem
Estou bem
Estou bem
Ainda há em meus olhos uma visão!
Ainda há no céu uma lua! Minhas roupas velhas, até agora, não se foram
Suas pontas rasgaram
Mas eu as costurei… e ainda estão bem
Virei moço, mais de vinte anos
Imagine… cheguei aos vinte
Sou como os jovens, mãe
Eu enfrento a vida
Carrego o fardo como os homens fazem
Trabalho num restaurante…
Lavo pratos
Faço café para os clientes
Estampo um sorriso em minha triste face
Para alegrar os clientes
3.
Está tudo bem
Já cheguei aos 20
Sou como qualquer jovem, mãe
Fumo, me debruço sobre o muro
Suspiro pelas moças belas
E como dizem os outros
Como são belas, irmãos
Imaginem quão amarga é a vida Sem elas… amarga é a vida.
Meu amigo disse: “Vocês têm pães?
Meus irmãos, qual o valor do ser humano
Se dorme toda noite… faminto?”
Estou bem
Estou bem
Tenho pão integral
E cesta de legumes
4.
Ouvi no rádio
A saudação dos deslocados… aos deslocados
Disseram todos: Estamos todos bem
Ninguém está triste
Como está meu pai?
Ainda permanece, como outrora, a recordar
a Deus
Os filhos… a terra… e as oliveiras?
Como estão meus irmãos?
Tornaram-se servidores públicos?
Um dia ouvi meu pai dizer:
Todos se tornarão professores…
Ouvi dizer:
(Vou passar fome até lhe comprar um livro)
Ninguém na aldeia sabe ler letra em carta.
E como está nossa irmã?
Cresceu… e vieram os pretendentes?
Como está minha avó?
Permanece, como outrora, sentada à porta?
A rogar por nós…
Pelo bem… pela juventude… e pela recompensa!
E como está nossa casa?
A soleira lisa… a lareira e as portas?
Ouvi no rádio
Mensagens dos deslocados… aos deslocados
Todos estão bem!
Mas estou triste…
Prestes a ser consumido por insinuações
O rádio não me trouxe notícias de vocês…
Mesmo que triste
Mesmo que triste
5.
A noite – mãe – é lobo faminto voraz
Que caça o estrangeiro onde estiver…
Abre os horizontes aos fantasmas
A floresta de salgueiros ainda abraça os ventos
O que fizemos, mãe?
Para morrermos duas vezes
Uma vez em vida morremos
Outra vez morremos na morte
Sabe o que me preenche de pranto?
Imaginei se adoecesse uma noite… e a doença enfraquecesse
Meu corpo!
Será que a noite lembra
Emigrante que aqui chegou… e não regressou à pátria?
Será que a noite lembra
Emigrante que morreu sem mortalha?
Ó floresta de salgueiros! Lembrará
Que aquele que lançaram abaixo de sua triste sombra
Como algo morto é um ser humano?
Lembra que sou ser humano,
Preservará meu cadáver do assalto dos corvos?
Minha mãe, ó minha mãe
A quem escreveu esses papéis
Qual correio levará?
Fechou-se o caminho da terra, do mar e do ar…
Você, mãe
E meu pai, meus irmãos, meus familiares, colegas…
Quiçá estejam vivos
Quiçá estejam mortos
Quiçá estejam como eu, sem endereço.
De que vale o ser humano
Sem pátria
Sem bandeira
E sem endereço
Qual é o valor do ser humano?
Foto de Mahmoud Darwich