A Questão da Palestina

A Questão da Palestina

Samir Amin


Samir Amin
é um dos pensadores marxistas mais importantes de sua geração. Nascido no Cairo, ele passou sua infância e juventude em Port Said. Foi ali onde frequentou a escola secundária. De 1947 a 1957 estudou em Paris, obtendo um diploma em Ciências Políticas antes de graduar-se em Estatística (1956) e Economia (1957). Em sua autobiografia “Itinéraire intellectuel” confessou que sua vida militante só lhe permitia dedicar um mínimo de tempo a sua preparação para as provas na universidade. De fato, logo na sua chegada a Paris, Amin se uniu a militância no Partido Comunista Francês. Entretanto, terminaria afastando-se desta organização para aproximar-se aos círculos de pensamento maoísta. Samir Amin é autor de uma volumosa obra de análise crítica do capitalismo e de suas crises.


Palestra realizada em 1973 na cidade de Dakar no Senegal:

Caros amigos,

Há um mês, e pela quarta vez em vinte cinco anos, a guerra eclodiu no Oriente Médio e opôs os exércitos do Egito e da Síria, o povo da Palestina e os outros povos árabes ao exército sionista. Mas desta vez, e pela primeira vez, a guerra não se desenvolveu segundo cenário das três precedentes. A derrota de Israel quer a consideremos importante ou modesta impõe uma alteração radical na evolução do problema da restituição dos direitos históricos ao povo palestino.

Com efeito, o mito da invencibilidade do sionismo caiu daqui para o futuro. A propaganda sionista conseguiu durante vinte e cinco anos darem a eles a imagem do homem invencível. E ao mesmo tempo criou do árabe a imagem de infra-homem impotente, incapaz, fosse qual fosse o armamento de que pudesse dispor, de defender os direitos mais elementares. A derrota militar, sofrida pela primeira vez pelo exército sionista, demonstra que eles não são diferentes dos outros homens, e que a sua eficácia militar depende do caráter, da sua organização social e política, do seu nível de consciência, da sua capacidade de manejar os armamentos de que dispõem.

Igualmente pela primeira vez, Israel foi isolado. Pela primeira vez no nosso continente Africano, as rupturas diplomáticas generalizaram-se. Até então a propaganda sionista curiosamente conseguira fazer dos Árabes agressores nos seus próprios territórios.

As consequências dessas transformações serão certamente consideráveis. Anunciam o começo do fim da confusão sobre a verdadeira natureza do Estado sionista. Até aqui, com efeito, a propaganda sionista tinha conseguido fazer esquecer o problema da Palestina, confundir o problema do sionismo com o problema judeu, que é um problema europeu, como adiante demonstro. E através desta confusão, a propaganda sionista, conseguira explorar com habilidade a culpabilidade dos europeus pelo seu antijudaísmo. Conseguiu assim dar do Estado de Israel, a imagem da vítima, fazendo esquecer a sua agressão permanente contra os povos árabes.

Exercendo uma chantagem permanente face ao antijudaísmo, fazendo crer que Israel não era um Estado como os outros, a propaganda sionista conseguiu perfeitamente baralhar as cartas e, por isso mesmo, fazer ignorar o essencial do problema, ou seja, que existia já na Palestina, antes da colonização sionista, um povo Árabe, o povo Palestino, e que este povo se tinha estabelecido nesta terra desde há pelo menos dois mil anos, e que tem direito a qualquer outro povo de defender o seu país, de recusar ser dele expulso por estrangeiros.

A derrota de Israel levou o mundo inteiro a ver finalmente na sua verdadeira dimensão, que é a luta do povo Palestino e dos Árabes para a libertação do Oriente Médio, ou seja, o recolocar este problema no quadro do movimento geral de libertação da África e da Ásia dos vestígios do colonialismo. É isso que marca provavelmente o início do fim do sionismo. Por que Israel mais não é do que um dos últimos avatares da descolonização europeia, como adiante demonstrarei. A sala desta noite, apinhada de gente, demonstra que, no Senegal, se esta perfeitamente consciente disso, que se compreendeu que o problema da Palestina se inscreve no quadro de liquidação dos vestígios do colonialismo em África, e nomeadamente o problema da África do Sul.

Antijudaísmo europeu e sionismo

Vou procurar esta noite, tão brevemente quanto possível, de modo a abrir a mais larga discussão, precisar alguns aspectos do problema Palestino. Para começar, saiba-se que é necessário separar a Questão Palestina da questão dita judia. Pois a Questão Palestina não tem rigorosamente nada a ver com o antijudaísmo, e em tal consistiu o objetivo de toda a propaganda sionista, ao confundir antissionista com antijudaísmo. Pretendo com isto simplesmente dizer que a colonização da Palestina tivesse sido feita por Europeus que não fossem judeus, o problema teria sido rigorosamente o mesmo para os Palestinos. Pretendo com isto dizer que se a colonização sionista se tivesse estabelecido noutro território que não a Palestina, como, aliás, tinha sido proposto – ter-se-ia tratado no passado de escolher Uganda–
o problema teria sido igualmente o mesmo para o povo vítima desta colonização europeia, no caso o povo do Uganda.

Quanto à questão judia é uma questão europeia. Mas dado que esta colonização particular foi obra dos sionistas, e dado que estes exploravam uma situação criada por uma evolução particular da Europa é necessário analisar a origem da questão judia e suas relações com a Questão Palestina.

Como sabeis, desde a cerca de dois mil anos, as comunidades judias na origem estabelecidas na Palestina, dispersaram-se primeiro através do mundo mediterrâneo, e depois no mundo europeu no seu conjunto. Depois desta longa história constata-se uma sucessão de vagas de antijudaísmo violento na parte europeia, nomeadamente na Europa central e oriental, enquanto que nada semelhante se constatava no sul do Mediterrâneo, no mundo muçulmano e oriental existem igualmente comunidades judias. Porque é que terá sido assim? Esta questão do antijudaísmo europeu foi bem analisada por Karl Max na “Questão Judia”, numa polêmica em resposta a Bruno Bauer. Há cerca de trinta anos um europeu judeu, Abraham Leon, assassinado pelos nazistas, produziu uma análise notável sobre esta questão, fundada na concepção materialista da questão judia.

A questão judia e a do antijudaísmo, não é como muitos creem uma questão religiosa, uma simples questão de relações entre maioria e minoria religiosa. Problemas deste tipo existem em muitas sociedades do passado e do presente. Não sou um idealista ingênuo e não acredito que todas as sociedades do mundo tenham sido tão fraternais para com as suas minorias, religiosas entre outras. Mas estes problemas de coexistência entre minorias e maiorias religiosas nada tem a ver com o problema particular que é o problema judeu da Europa.

Com efeito para compreender a natureza do problema é necessário examinar o papel que as comunidades judias desempenharam nas formações sociais europeias, mostrar as diferenças entre estas formações sociais e as do Mundo Árabe e Muçulmano. Na Europa, da Idade Média até os tempos modernos, ou seja, até a revolução industrial, as comunidades judias tiverem funções importantes e particulares, as de uma minoria que detém o monopólio da organização do comércio entre as diferentes sociedades feudais fechadas sobre si mesmas. A comunidade judia não é somente, ou mesmo principalmente uma comunidade religiosa; é sobretudo, Abraham Leon recordou-o justamente, um “povo-classe” (observação nossa: o melhor termo seria grupo fechado-classe), isto é, um grupo fechado que preenche funções particulares numa formação social. No Senegal e na África de um modo geral, não é difícil compreender a natureza e as funções de uma comunidade deste tipo. Pois nas sociedades africanas, encontramos fenômenos análogos. Todos conhecem os Dioulas, uma comunidade étnica que tem sua própria cultura, e que, na África pré-colonial exercia igualmente funções da mesma natureza, tinha o monopólio do comércio. Também sabeis que esta comunidade foi durante muito tempo a única comunidade muçulmana nos reinos animistas da África do Oeste. Boubacar Barry, ao fazer a história do Reino do Walo, mostrou o papel que o Islã desempenhava nesta parte da África, um papel muito similar ao que o judaísmo preenchia na sociedade europeia da Idade Média. O Islã era então a religião de uma minoria que desempenhava funções específicas análogas, detinham o monopólio das funções comerciais.

Eis um fenômeno completamente banal, frequente na história da humanidade, que testemunha que, deste ponto de vista, o judaísmo não representa nada de particular. Constata-se que na Europa, na Idade Média, as relações entre sociedade feudal e camponesa e esta comunidade judia, não são diferentes das que as sociedades camponesas africanas mantêm com as comunidades comerciais muçulmanas. Estas relações tanto são boas como más. Mas são sempre de coexistência necessária. Contudo, na Europa, a partir de certo momento e em certos países, aparece o antijudaísmo, isto é uma hostilidade violenta e sistemática contra a comunidade judia, que tem em vista o objetivo de assimilar ou rejeitar. Por quê? A partir de quando assim acontece?

Até a revolução industrial, a hostilidade nunca foi sistemática, porque a comunidade judia desempenhava funções tidas como absolutamente necessárias e, por conseguinte, era-se obrigado a manter com ela relações de coexistência “pacífica”. Certamente nem sempre estas relações eram excelentes. As coisas alteram-se radicalmente a partir do momento em que o capitalismo se desenvolveu na Europa. A burguesia contesta então o monopólio comercial da comunidade judia. E é a constatação deste monopólio anterior que marca o início do antijudaísmo na Europa.

Não é, pois por acaso que o antijudaísmo se desloca da Europa do oeste para a Europa do leste. Sabe-se que o desenvolvimento do antijudaísmo começa pelo oeste e se estende progressivamente para o leste, e que nos fins do século XIX é, sobretudo na Europa central e oriental que se manifesta enquanto a vaga antijudaica se extingue a oeste. No ocidente, o desenvolvimento do capitalismo conduz a assimilação dos judeus, uma vez quebrado o seu monopólio comercial. O antijudaísmo é um fenômeno da transição para o capitalismo, um fenômeno que caracteriza o momento em que o monopólio comercial dos judeus é contestado, mas não ainda quebrado. A aparição do antijudaísmo na Europa central o oriental no fim do século XIX coincide com a transição para o capitalismo nesta região da Europa. Mas esta coincidência histórica é importante porque vai ligar este problema particular, o problema dos judeus da Europa oriental, com o problema da Palestina. É com efeito nestas comunidades da Europa central e oriental do fim da segunda metade do século XIX, que em resposta ao antijudaísmo europeu, o sionismo se desenvolve. Ora, a segunda metade do século XIX, é como sabeis, o momento em que o imperialismo europeu parte a conquista do mundo. Vai operar-se uma junção entre o sionismo nascente nas comunidades judias da Europa central e oriental e o movimento de conquista e de dominação do mundo pelo imperialismo europeu. Trata-se de uma coincidência histórica que vai fazer do sionismo um avatar da conquista e da expansão colonial europeia.

Mas, antes de passar a história deste sionismo, e das etapas da formação do Estado de Israel e do papel que este Estado vai desempenhar de ora em diante no Oriente Médio, como instrumento de combate dirigido contra os movimentos anti-imperialistas de libertação, queria fazer algumas observações sobre a ideologia do sionismo. Pois esta ideologia é religião oficial no Estado de Israel.

O sionismo, ideologia racista e fascista.

É bom verificar como é que se constituiu o Estado de Israel, a sua natureza, a sua ideologia, as funções que desempenha na região. Israel, como a África do Sul é um Estado racista e fascista.

São este fascismo e este racismo que estão na origem do seu expansionismo necessário. A própria ideologia que está na base deste Estado é fundada numa concepção racista do judaísmo. O judaísmo não é considerado como uma religião, mas como um facto racial. Sabeis que segundo a lei positiva de Israel, apenas é judeu aquele cuja mãe e os ascendentes maternais são judeus. Quer dizer que não se pode ser judeu, como se pode vir a ser cristão ou muçulmano por convicção religiosa. Esta concepção racista do judaísmo apenas é o reflexo do antijudaísmo, seu irmão gêmeo. Sabeis também que a mitologia do “povo eleito” é tomada oficialmente a cargo do Estado de Israel, que é por este fato um verdadeiro Estado teocrático.

Fundado num ideologia deste tipo, o Estado de Israel só pode ser racista e fascista. E é exatamente como a África do Sul é igualmente um Estado fundado numa ideologia racista; e eis porque Israel e a África do Sul apresentam tantas analogias profundas nas suas estruturas e por que estes países tem tanta simpatia um pelo outro.

Em Israel como na África do Sul, os indígenas são tratados como infra homens, inferiores, de fato e de direito. Os cerca de 180 000 árabes que vivem nas fronteiras de Israel são perseguidos, submetidos ao regime de passaporte militar, interditos de morar em domicílio, controlados nas suas deslocações, numa palavra submetidos ao mesmo tipo de regulamentos que caracterizam o Apartheid Sul-Africano.

Os sionistas, como os sul-africanos, não concebem que poderiam ter um futuro a partilhar com os povos da sua região. Não é Moshe Dayan que declara sem sequer olhar para o mapa: Que temos nós de comum com a Síria e o Egito? Nada em comparação com o mundo ocidental. E Ben Gurion, homem de grande cultura que conhece, segundo diz, uma vintena de línguas, nunca achou necessário aprender Árabe. Tais atitudes revelam uma visão europeia do futuro. Também revelam o racismo da classe dirigente europeia judia face aos seus cidadãos orientais judeus.

Dado que o racismo existe também no seio da comunidade de crença judia, entre os europeus judeus e os orientais judeus. Por isso mesmo Israel revela o seu caráter de avatar da colonização europeia. Porque, segundo esta ideologia, o estado deve ser dirigido por uma minoria europeia, e não por judeus em geral. É um Estado de Pequenos Brancos. O paralelo impõe-se aqui com os países de colonização de povoamento, como era, por exemplo, a Argélia. Deve ainda afirmar-se que os Pied noirs, tinham mais direitos na Argélia que os sionistas na Palestina. Pois, se medirmos este direito pelo número de anos ou de gerações, os Pied Noirs estavam instalados na África do Norte desde muito mais tempo que as comunidades sionistas que constituem atualmente a maior parte da população do Estado de Israel e dos territórios ocupados. Outro tanto se pode dizer do Kenva, da Rodésia e da África do Sul. A colonização europeia de povoamento era daqui ainda mais antiga, sobretudo no que diz respeito à África do Sul.

Os sionistas querem fazer-nos crer que o tempo não conta, ou pelo menos, que só conta o seu favor. Pretendem justificar o seu estado invocando as origens palestinas inverificáveis remontando a dois mil anos, mas ao mesmo tempo não reconhecem os direitos dos que habitam o país desde há estes dois mil anos. Dizem-nos então: que importa que só nos tenhamos estabelecido aqui desde há vinte anos ou mesmo cinco: há uma nacionalidade judia em formação, cuja existência é necessário reconhecer.

Sinceramente, não creio que se possa falar de uma nação israelense. Não há casamentos entre judeus orientais e judeus ocidentais tal como entre Brancos e Negros da África do Sul. Os dirigentes da chamada “nação” vivem com a obsessão de perder o seu caráter “europeu” e de se “levantilizar”. E por outro lado Golda Meir, a quem foi posta a questão de saber o que faria no caso de ser constituída uma Palestina unida, laica e igual para todos, muçulmanos, cristãos e judeus. Europeus de origem árabes, não respondeu que iria para casa, em Milwaukee? Que nação é esta que a perda de privilégios faz optar imediatamente pela imigração? Nação ou colônia de povoamento constituída por cidadãos, que por outro lado, não desejam renunciar à sua segunda cidadania, europeia. Não há duvida de que esta população é estrangeira ou se considera como tal, como uma população de colonos.

Nestas condições, o sionismo tem necessidade de imigração permanente, de manter o mito da necessidade de reagrupar todos os judeus do mundo no território de Israel em expansão continua. Uma ideologia deste tipo conduz, pois necessariamente ao expansionismo e ao fascismo. Porque a expansão exige que sejam expulsos os “indígenas” ou que sejam submetidos a um estatuto inferior. Esta ideologia é bem do imperialismo europeu: a África e a Ásia não pertencem aos seus povos, estes são apenas infra-homens, pelo contrário o País pertence ao primeiro europeu a chegar.

Ao mesmo tempo, o sionismo exige o antijudaísmo, seu irmão gêmeo. Pois o mito da necessidade de reagrupar todos os judeus determina a negação da sua integração nas nações às quais pertencem. Com tais ideias, regressase à Idade Média europeia e à dupla fidelidade, no tempo em que os católicos criam que deviam fidelidade ao seu rei e ao Papa. Os católicos libertaram-se desta mentalidade teocrática no século XIII e hoje apresentam-nos as fantasias da mesma fonte como ideias de homens “modernos”. De fato, um europeu não antijudeu deve ser antissionista sem hesitação. E acuso os europeus amigos do sionismo de verdadeiros antijudeus, de vergonhosos nazistas.

O expansionismo sionista é um mito? Recordo-me que por volta de 1960, a imprensa árabe revelou que os sionistas tinha fixado o objetivo de anexar novos territórios, que lhes permitissem construir uma grande “Israel” do Nilo ao Eufrates. A imprensa europeia fez escândalo, vilipendiou os árabes que ousavam inventar ameaças inexistentes. Mas olhai para o mapa de Israel atual e para os territórios ocupados. Os sionistas renunciaram ao Sinai, egípcio desde há 5000 anos, ao Golan onde decidiram instalar “uma cidade judia”? Esse expansionismo denunciado na altura não revela o mito e a fantasia, mas constituía um perigo real.

Para atingir os seus objetivos, os sionistas tem necessidade de imigração, por consequência de antijudaísmo. Os sionistas fingem deplorar o antijudaísmo. Na realidade, não somente se regozijam com ele, mas chegam mesmo a organizá-lo. Não foi revelado que agentes sionistas tinham organizado atentados contra judeus no Iraque para incitar a emigrar? Estas revelações não foram forjadas por agências árabes: foram feitas em Israel, por ocasião do escândalo sobre os serviços secretos de Telavive. Ou seja, os sionistas nunca tiveram escrúpulos em utilizar o terrorismo não só contra os árabes que professavam o cristianismo e o islamismo, mas contra comunidades judias, quando tal servia os seus interesses.

Do sionismo ao avatar colonial: O protetorado inglês 1917-1949

A história da formação da colônia e depois do Estado sionista está estreitamente ligada à expansão colonial europeia e às tentativas desesperadas do imperialismo de resistir ao movimento de libertação dos povos do Oriente.

A mitologia sionista pretendia fazer crer que os “judeus” tinham um “direito” sobre a Palestina, porque segundo a religião judia, Deus teria prometido esta terra a Abraão e aos seus descendentes. Chamo a vossa atenção para a natureza deste incrível argumento. Se fosse necessário refazer o mapa do mundo conforme a suposta distribuição dos povos a dois mil anos onde é que tal conduziria? Para começar seria necessário suprimir o mapa dos Estados Unidos, reconstituir o Império Romano, etc…

Nenhum homem razoável pode sonhar em qualquer valor a argumentos desta natureza. E, contudo, pretendia-se abrir uma exceção. Em nome de que princípios os pretensos descendentes judeus da Antiguidade teriam “direitos” sobre este país, e os que habitam desde há dois mil anos e que além disso são provavelmente os verdadeiros filhos de “Abraão” não teriam qualquer direito? Recuso categoricamente a linguagem racista digna de uma mentalidade atrasada e primitiva da melhor tradição hitleriana. Mas não tenhamos qualquer ilusão. O argumento “divino” foi desde o início apoiado por outros argumentos, mais comuns. Escrevendo no fim do século XIX, o teórico do sionismo, Theodor Herzl, diz: “Para a Europa, constituiremos um pedaço de muralha contra a Ásia, seremos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie”.

A linguagem é clara. Pertence a época em que o dinheiro do europeu tem sempre supremacia, mesmo a troco da negação dos direitos elementares dos outros povos.

Desde a origem, os sionistas procuravam, pois protetores, para lhes darem a Palestina. E até 1914, hesitaram entre os Ingleses e os Alemães. A Inglaterra está instalada no Egito desde 1882, e controla o canal de Suez. Mas no Egito, o movimento nacional, dirigido por Moustapha Kamel e Mohamad Farid, põe em causa esta presença. Alguns meios sionistas propõem então à Inglaterra que os instale a leste, na proximidade do canal. Outros jogam a cartada alemã, aliada da Turquia. Os bancos alemães financiam a instalação de colonos judeus na Palestina, que estava integrada no Império Otomano. O capital alemão visa então, como se sabe, submeter o Império Otomano ao seu protetorado. É a época do caminho de ferro Berlim-Bagdá e da Turkish- Petroleum. Por isso Herzl escreve em 1896: “Para este estado judeu na Palestina, temos necessidade de um protetor. O protetor alemão será do que nenhum outro bem vindo”.

Seguidamente, durante a guerra de 1914, as alianças alteraram-se e o sionismo escolheu definitivamente protetor inglês, que seria o novo senhor Imperialista do Oriente Médio até 1948. Com a instalação dos sionistas, os Ingleses vão dispor de uma nova base, na proximidade do Canal de Suez. Isso lhes parecem uma garantia necessária suplementar porque a revolução nacionalista do Egito inquieta-os. Posteriormente a esta revolução de 1919, são levados a fazer concessões ao nacionalismo egípcio. Em 1922, reconhecem a Independência do Egito; mas a sua presença nas margens do canal só será reconhecida pelo Egito tardiamente, em 1936.

Por outro lado, na guerra de 1914, o Império Otomano, colocou-se ao lado da Alemanha. Os ingleses procuram então explorar em seu proveito a revolta das províncias árabes contra Turcos. E como os imperialistas não estão isentos de contradições verbais, os ingleses fazem, na altura, promessas contraditórias/ ilusórias a uns e a outros. Para assegurar a aliança árabe, MacMahon, que era então delegado britânico no Egito, escreve em 1916 ao Xerife de Meca, Hussein, e promete-lhe que se os Árabes se revoltarem contra o império Otomano, construir para ele um reino árabe que englobaria todo o continente fértil, isto é a Síria, a Palestina e o Iraque. Paralelamente, pelos acordos de Sikes-Picot, os ingleses aceitam a partilha da região com o seu aliado Francês. Segundo os acordos, a Síria e o Líbano deviam ser confiadas ao mandado Francês, enquanto o Iraque e a Palestina estavam adquiridas para os ingleses. Simultaneamente, em 2 de novembro de 1917, Lord Balfour faz a promessa solene aos sionistas de lhes permitir a sua instalação na Palestina. A frase de Balfour ficou célebre “A Grã-Bretanha considera favoravelmente o estabelecimento de um núcleo nacional para o povo judeu na Palestina”. Em contrapartida os sionistas passam para o lado dos ingleses. Em 1914, Weisman declara ao jornal inglês, The Manchester Guardin: “Podemos hoje dizer que a Palestina esta colocada na zona de influência britânica, e que se a Grã-Bretanha encoraja a instalação de judeus, nós podemos dentro dos próximos trinta anos, juntar um milhão de judeus nesta região que a desenvolverão e a civilizarão, e ao mesmo tempo serão os guardas vigilantes do Canal de Suez”. De 1917 a 1948, o sionismo instalou-se na Palestina com o auxílio do imperialismo britânico.

Em 1920, a população da Palestina conta com 700 000 Árabes, muçulmanos e cristãos, e 80 000 judeus e dentre esses, 60 000 são árabes que professam o judaísmo, judeus de cultura religiosa e língua/costumes árabes que vivem na Palestina, como os cristãos e muçulmanos, desde há séculos, e somente uma vintena de milhares de colonos de origem europeia. Contudo, o mandato britânico na Palestina vai ajudar o sionismo a investir no país. Para tanto, as autoridades britânicas reconhecem a Agência Judia permitindo-lhe tornar-se um Estado dentro do Estado e construir o que irá ser o Estado de Israel. Esta colonização, que se opera sob a proteção aberta dos britânicos, não hesita, na época, em recorrer a todos os meios terroristas de que virão a serem acusados mais tarde os árabes, e que, com efeito, os árabes nunca empregaram contra populações civis.

A partir de 1927, um grupo de terroristas sionistas, dirigido por Gabotinsky, aterroriza as aldeias árabes e, sob olhar protetor dos exércitos britânicos, expulsa os camponeses árabes das suas terras para aí instalar colonos europeus judeus. É longa a lista de manifestações da parcialidade britânica: milhares de atos do terrorismo sionista foram perpetrados sem jamais serem punidos, e por outro lado, toda a tentativa de resistência dos palestinos era sempre severamente punida, habitualmente pelo enforcamento. A sorte Palestina ao longo deste período foi bastante infeliz.

O povo da Palestina encontrava-se só. Contudo soube resistir gloriosamente e, durante três anos, de 1936 a 1939, ameaçar realmente os imperialistas britânicos e as colônias sionistas, desenvolvendo ações de guerrilha sistemática.

Os governos de certos Estados Árabes persuadem com efeito o Alto Comitê da Palestina, cuja presidência tinha sido confiada ao Mufti de Jerusalém, Hadj Amin Hussein, das “boas intenções da Grã-Bretanha” e levam os residentes palestinos a cessar o combate para negociar. Ora, com efeito, Weisman escrevia na época: “Não traio nenhum segredo ao dizer que nos pusemos de acordo com a Inglaterra para que nos conceda a Palestina desembaraçada dos árabes antes do fim do mandato”.

O cessar-fogo aceito pelos palestinos vai permitir o reforço do controle sionista na Palestina. A lição deste fracasso, das “negociações” e da traição inglesa, está presente no espírito de cada palestino. Compreende-se a desconfiança que este povo tem em face de este tipo de “negociações”. Porque, sem a derrota do povo da Palestina em 1936-1939, não teria tido lugar a vitória de Israel em 1948.

1948-1973: O protetorado dos Estados Unidos, Israel base de agressão contra os povos árabes.

A partir de 1948, o sionismo passa do protetorado inglês, que tinha permitido a criação progressiva do Estado de Israel, para o protetorado dos EUA. Com efeito, as relações de força entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos no Oriente Médio modificaram-se ao longo da Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, a Grã-Bretanha tinha sido de novo forçada, tal como durante a primeira guerra mundial, a travar jogo duplo. Os ingleses tinham então necessidade, no mínimo, da neutralidade benevolente dos Árabes e, para tal, aceitaram pôr de parte o apoio que tinham dado ao sionismo. É por isso que, durante a guerra as autoridades estabelecem limites para a imigração judia. O movimento sionista vira-se então para os Estados Unidos. Ben Gurion declara em 1940: “Pela minha parte, já não duvido que o centro de gravidade do nosso trabalho político passou da Grã-Bretanha para a América”. E um parlamentar estadunidense respondeu-lhe: “Sinto que o presidente será o novo Moisés que conduzirá os filhos de Israel para fora do deserto”.

A história desse protetorado estadunidense começa com a escandalosa partilha da Palestina pelas Nações Unidas em 1947. Porque, em 1947, apesar de vinte anos de proteção britânica, apenas tinham ocupado, 5,66% da terra Palestina. A propaganda sionista difundiu o mito de que os Árabes teriam vendido a sua terra. Tal não é evidentemente mais do que uma mentira. Ora, este escandaloso projeto de partilha dava aos sionistas 57% das terras da Palestina, dez vezes mais em proporção daquilo que possuíam no termo de 28 anos de proteção Britânica. Para além disso, para ativar a emigração judia, e antes mesmo da partilha ocupar o máximo de terras possível, os sionistas entregaram-se durante os últimos meses que procederam a criação do Estado de Israel, a um terrorismo sistemático.

Mais uma vez, este terrorismo era dirigido contra as populações civis árabes e contra os camponeses da Palestina. Não mais se fala disso. E contudo, nunca os movimentos de libertação da Palestina se entregaram a atos de barbárie deste gênero para com qualquer comunidade judia da Palestina. Não esqueceremos jamais o massacre de Deir Yassin perpetrado em 1947, 10 que provocou duzentas e cinquenta e quatro vitimas entre os camponeses, mulheres, crianças e velhos, lançados nas valas comuns pelos terroristas sionistas. É nestas condições que se desencadeia a guerra e a derrota de 1948. É necessário lembrarmo-nos quais eram as relações de força no Oriente Médio nessa época. Nesse tempo, os exércitos árabes não ultrapassavam os 27 000 homens. Estes pequenos exércitos não tinham contudo qualquer liberdade de movimento; estavam mal equipados e mal organizados; a sua fraqueza refletia a fraqueza da sua própria sociedade. Face aos exércitos árabes, o exército sionista colocado sob o protetorado britânico possuía já, no momento da decisão da partilha, 27 000 homens e pode alcançar imediatamente 60 000 homens efetivos, um número claramente mais importante que o dos exércitos árabes da época; por outro lado, o exército sionista beneficiou, desde o início, de um apoio estadunidense ilimitado.

A propaganda sionista apresentou a “vitória” de 1948 como a de um povo, rodeado de inimigos potentes e selvagens, a “vitória” da coragem sobre a barbárie. Também alimentou a ideia de que os sionistas eram super-homens invencíveis, herdeiros dos corajosos germânicos. Apresentou os árabes como infra-homens incapazes, apesar da superioridade de seu número. A verdade histórica é completamente diferente. Em 1948 o número e a força do fogo estavam do lado sionistas. A derrota de Israel em 1973 trouxe um fim brutal às lendas racistas da superioridade do “homem branco”, do europeu, ao qual assimilavam o judeu “louro” fazendo face aos árabes “morenos”. Último avatar da lenda hitleriana, a lenda sionista morreu.Futuramente, a lenda da África do Sul sofrerá a mesma sorte.

No seguimento da guerra de 1948, as Nações Unidas interviram pela primeira vez para impor uma decisão de cessar o fogo. Mas, já nesta época, a decisão de cessar fogo não impunha a retirada das tropas. Também esta retirada nunca foi feita. Desde a origem, contudo, a decisão da ONU foi violada pelo Estado de Israel. Por esta razão os Estados árabes recusaram reconhecer o Estado de Israel. Esta recusa não era manifestação de uma obstinação estúpida da parte das pessoas que são “incapazes de reconhecer a realidade”. É que, mesmo em relação à escandalosa partilha de 1947, o Estado de Israel, desde a sua criação, violou as recomendações e decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas. E é pela recusa de retirar as suas tropas dos territórios ocupados para lá das fronteiras da partilha que os Estados Árabes opuseram a recusa do reconhecimento e da paz com o Estado de Israel.

Assim vejamos, como, desde a origem, Israel, longe de desejar a paz, como a propaganda sionista pretendia, procurou perpetuar a guerra. Porque Israel é expansionista por natureza, como já vimos.

Com esta primeira expansão, de 5,6 a 57% das terras da Palestina – nasceu o problema dos refugiados palestinos. Em 1949, são 950 000, expulsos do seu país pelos colonos europeus judeus.

A conjunção entre os objetivos expansionistas do sionismo e os projetos imperialistas dirigidos contra os povos árabes, fez Israel, desde o seu nascimento, um instrumento de escolha de agressões repetidas contra os Estados do Oriente Médio.

Lembrem-se que em 1950, o povo egípcio passa a um novo estágio da luta contra o imperialismo britânico. Em 1951, o tratado de 1936 foi denunciado e a ocupação militar do Canal pelos Ingleses declarada por este fato ilegal. As guerrilhas começaram a operar na região e por fim, em 1954, o exército britânico evacuou do canal. Dois anos mais tarde, na ocasião da nacionalização do Canal de Suez pelo Egito, Israel participou na agressão tripartida contra o Egito (Grã-Bretanha, França, Israel). Por que um nova agressão sionista em 1967? Porque apesar do esforços do sionismo, a imigração começou a diminuir seriamente a partir de 1960. Ora, esta diminuição conduziu à degradação e decomposição desta chamada nação em formação. Esta decomposição manifestava-se pelo desenvolvimento das contradições internas próprias desta sociedade racista. Ameaçados de “levantinização” pela presença dos judeus orientais, os judeus do ocidente tiveram necessidade da guerra para refazer a “unidade nacional”.

Paralelamente, o movimento de libertação do povo da Palestina, organizava-se e passava a nova etapa. Sabeis que a organização El Fath, que surge em 1959-1960, permite visar pouco a pouco uma participação mais ativa do povo da Palestina na causa da sua própria libertação.

A agressão sionista de Junho, de 1967, a Guerra dos Seis Dias, tinha ainda reforçado o mito da invencibilidade sionista. É por isso que Telavive, apoiada por Washington, podia permitir-se considerar as resoluções sucessivas das Nações Unidas como pedaços de papel.

Conheceis a famosa resolução 242 que impunha cessar fogo e a evacuação dos territórios ocupados por Israel. Sabeis que esta resolução permaneceu letra morta. Não somente Israel manifestou durante seis anos o seu desprezo total em relação às resoluções das Nações Unidas, como o fez com devotada cumplicidade estadunidense.

Querem provas do protetorado estadunidense? Sabeis que no momento em que, pela primeira vez, os exércitos árabes conseguem fazer recuar, a partir de 6 de Outubro de 1963, o exército sionista instalado na margem leste do canal de Suez, violando todas as de resoluções nas Nações Unidas, a primeira proposição de resolução estadunidense ao Conselho de Segurança pedia o cessar-fogo e um regresso às linhas de 6 de outubro. Ou de outro modo, quando os sionistas agridem e ganham terreno deixa-lhes esse terreno, mas quando os árabes repelem a agressão sionista, propõe-se lhes evacuar os seus próprios territórios, que acabam justamente de libertar.

O protetorado estadunidense e o papel atribuído a Israel são, contudo fato reconhecidos pelos próprios sionistas. No jornal sionista Haaretz, lê-se a seguinte declaração: “O papel de Israel não é muito diferente do papel de um cão de guarda. É necessário não temer vê-lo conduzir uma política agressiva para com os estados árabes, se estes últimos entram em contradição com os interesses dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Mas se o Ocidente, por uma razão, prefere fechar os olhos, pode-se contar com Israel para punir severamente os seus vizinhos cuja falta de maneiras face ao Ocidente ultrapassou os limites permitidos”. Tal é o papel atribuído a Israel pelos próprios sionistas.

Em contrapartida, é verdadeiro, que pelo seu papel de bastião avançado do Ocidente, Israel recebeu em vinte anos uma ajuda exterior, principalmente dos Estados Unidos, de 7 milhões de dólares. Isto representa por habitante e por ano, cem vezes o que os países do Terceiro mundo receberam. Por um dólar “de ajuda” concedido ao Terceiro Mundo, os agressores sionistas receberam cem dólares de apoio. Devemos ainda precisar que este número não comporta o valor dos materiais militares. Sem esta ajuda massiva, o estabelecimento sionista teria sido capaz de fazer sobreviver este país que ainda permanece artificial quer no plano econômico quer no plano nacional. Quanto ao caráter dito “socialista” desta sociedade, é um último absurdo do sionismo. Porque o socialismo não se mede pela existência de algumas cooperativas. E não é compatível com as separações racistas e os apoios financeiros privilegiados do grande capital internacional. Na realidade, como mostraram Orre Machover, a sociedade sionista é uma sociedade de colonos, de emigrantes, onde os indivíduos avaliam a sua posição social em função da sua origem étnica. A burocracia do establishment sionista comanda e manipula esta sociedade que, por trás das aparências da propriedade pública, não é senão uma excrescência do capitalismo ocidental.

As condições de uma solução real da Questão Palestina.

A derrota militar de Outubro de 1973 marca o fim do sionismo. Os próprios imperialistas não enganaram acerca deste ponto. Se os povos árabes já não podem ser tratados como no passado, se é necessário negociar com eles, e mesmo se alguns querem negociar somente com as suas classes dirigentes, Israel perde a sua função de polícia do Oriente Médio. Daí o descontrole do “stablishment” sionista.

O cessar fogo não é a paz. Demonstram-no vinte anos de história. Mas que exige paz? A paz exige evidentemente, em primeiro lugar, a evacuação dos territórios ocupados desde 1967, de todos esses territórios, Sinai, Golan, Gaza, Cisjordânia e Jerusalém.

Mas exige mais: exige o reconhecimento do direito dos palestinos. Os palestinos demonstraram sua existência. Os colonos sionistas quiseram ignorar este fato durante 20 anos. Mas os palestinos não são um rebanho de refugiados infelizes cuja sorte dependa da caridade e da diplomacia internacionais. Pela sua luta, pela sua organização, os palestinos mostraram agora que não há paz possível sem o restabelecimento dos seus direitos.

Ora, o reconhecimento do direito dos palestinos, é necessariamente o desaparecimento do sionismo. Porque este reconhecimento implica a revogação da “lei do regresso” que dá a todos os europeus judeus o direito de se instalar na Palestina. Desaparecido o sionismo, o problema muda de dimensões: porque já não se trata de fazer coexistir, num território definido, comunidades nacionais tendo cada uma a sua própria personalidade. É um problema muito difícil, certamente, mas de modo nenhum insolúvel.

Podemos contar para regulamentar este futuro, com negociações eventuais? Com quem? Pode-se esperar que uma “esquerda” sionista se afirmará pouco a pouco como capaz de se libertar do mito sionista? Sim, sem dúvida, com a condição de saber que estas negociações não constituem nunca um substituto da luta. A história demonstrou, aqui como em toda a parte, que a derrota militar é muitas vezes o começo da aprendizagem. É necessário primeiro que o mito da invencibilidade de Israel desapareça.

O caminho da paz é ainda muito longo. Porque, até este momento, nenhuma força social apareceu em Israel que permita esperar que se tenha realmente em vista a coexistência com os árabes. Bem entendido, os ditos “Pombas”, que se opõem aos “Falcões” situam-se no quadro sionista, e não constituem de maneira nenhuma uma alternativa, um interlocutor pronto a conceber o futuro da Palestina numa perspectiva Oriental, numa perspectiva que não faz/fizesse dele “o bastião avançado” da dita “civilização ocidental”. Talvez sejam necessárias ainda outras batalhas sangrentas para que o Estado de Israel renuncie definitivamente à perspectiva expansionista, racista e fascista, sobre a qual foi fundado.

E não nos iludamos. A solução definitiva exige o respeito simultâneo dos direitos de uns e de outros. Mas até aqui, de toda a maneira, não foram os direitos dos de crença religiosa judia que foram ameaçados, são os direitos elementares do povo Árabe que foram constantemente negados. Assim se é tempo de reconhecer o direito dos de crença religiosa judia de proclamar que o objetivo não é a “deitar ao mar” os judeus da Palestina como a propaganda sionista faz acreditar, fundamentando-se infelizmente em algumas declarações provocatórias de reacionários árabes, é tempo também de fazer compreender às forças de uma esquerda ainda eventual em Israel que este direito judeu tem por limite exato o direito igual do povo árabe da Palestina.

Como seria regulamentado em definitivo o problema? Quais as formas de Estado laico e multinacional que teria? É demasiado cedo para dizer.

Os povos da região farão a história e regulamentação eles próprios, um dia ou outro, estas questões. Mas podemos desde já dizer que, face à visão medieval e racista do estado sionista, é o programa do movimento de libertação da Palestina que constitui a única base de uma solução progressista, moderna, socialista. Uma Palestina única, laica, multinacional. O futuro dirá como serão garantidos os direitos das diferentes nações desta Palestina reencontrada; pela adoção de estruturas federais ou outras. O futuro também dirá se haverá duas ou três nações nesta Palestina reencontrada, uma nação árabe (que compreenda os muçulmanos, os cristãos e os judeus), uma nação oriental judia e, talvez também, uma nação ocidental judia.

O futuro dirá se os ocidentais judeus poderão aceitar esta perspectiva ou se, como “Pieds Noirs” do Magreb e “Petis Blancs” do Quênia, preferirão, como deixa entender a própria Golda Meir, voltar a “suas casas” no ocidente.

A primeira derrota do sionismo permanecerá para todos nós, Africanos, uma data importante da nossa história. Não somente para nós, Árabes da África e da Ásia. Mas também para os outros Africanos que no terço austral do continente, travam um combate análogo pela mesma causa da libertação dos povos oprimidos, contra os mesmos inimigos racistas e fascistas, os últimos avatares da colonização europeia do nosso país.


Foto de Samir Amin

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