Breve conclusão

Breve conclusão


PEÇAS DA LUTA PALESTINA

Ghassan Kanafani (Akka, 9 de Abril de 1936, Palestina – Beirute, Líbano, 8 de Julho de 1972) foi um importante escritor e militante político palestino de esquerda. Desde a adolescência lutou contra a colonização da Palestina e pela preservação da identidade cultural de seu povo como militante da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) – organização secular da esquerda palestina. Seus contos e romances traduzem a luta dos trabalhadores contra colonização.


Tradução da peça teatral adaptada por Fadi al-Naji de um texto escrito em
1958 pelo autor Ghassan Kanafani.


Breve conclusão


PRIMEIRO ATO
[O ator diante da plateia em monólogo]


-Bom dia! Meu nome é Abdul-Jabbar, fui criado por Ghassan Kanafani nos anos 60. As forças de colonização mataram-nos anos mais tarde… Estou aqui, hoje, e não vou tomar muito de seu tempo para contar minha breve história, talvez ela lhe seja útil…

Eu sempre gostei de filosofar e costumava a filosofar muito. Deus pode dissuadi-los pela filosofia… Desde criança já tinha o costume de fazer muitas perguntas de diferentes tipos… Uma delas preocupou-me por semanas:

-“Por que não colocamos o sapato sobre a cabeça ao invés do chapéu?”

Então decidi colocar o sapato sobre minha cabeça e andar por minha casa. Até que meu pai veio a mim e “delicadamente” disse:


[O ator grita rispidamente como se fosse o pai furioso].

-“Venha aqui! Deixe-me ver…”


Eu fui ao seu encontro.

-“Tire esse sapato de sua cabeça…”

-Por que pai?

-“Para que o sapato não coma sua cabeça!”


Com todo o respeito e amor, respondi:

-Eu farei, pai.

Passado um ou dois anos não recordo bem… comecei a pensar:

“Por que nós humanos não usamos nossos quatro membros como os animais quadrúpedes o fazem? Não seria mais confortável?”

A filosofia continuava a crescer em minha cabeça como a árvore de figos de meus avós… Seguia crescendo e nos alimentava de figo! Seguia crescendo e nos alimentava de figo!!! Até ser destruída pelos tanques da ocupação.

[O ator olha para cada expectador… e diz:]


-“Você acha que eles podem destruir minha filosofia?”


Mantive-me o mesmo, até que uma ideia explodiu em minha mente e virou minha vida de cabeça pra baixo:

-“Já que somos trazidos à vida involuntariamente, é nosso direito decidir
como terminá-la voluntariamente.”

Continuei ponderando, pensando e contemplando esta ideia até chegar a uma conclusão:

-“Morte é a conclusão da vida.”

E esta, senhoras e senhores, é minha breve conclusão número um!


SEGUNDO ATO

[O ator diante da plateia em monólogo]


Seguindo esta conclusão senti-me mais estável e isso deu-me paz de espírito. Não acho que isso exista muito nos dias de hoje! Comecei a pensar como ter uma morte honrável… e, senhoras e senhores, decidi juntar-me aos revolucionários.

Fui até lá de carne e osso, na época tinha mais carne… e livremente, não forçado. Fui até lá voluntariamente! Caso vocês ouçam alguém dizer que Abdul-Jabbar foi arrastado e forçado a se juntar aos revolucionários… Digo-os para calarem a boca! Pois Abdul-Jabbar voluntariamente escolheu juntar-se aos revolucionários.

Cheguei ao Centro de Recrutamento Voluntário e diante do oficial postei-me como uma vara ereta dizendo:

-Preciso de um rifle.

O pobre oficial estava procurando por um uniforme militar (ele não tinha um na época) olhou para mim e disse:

-“Nós não temos rifles”.


Senti como se estivesse na UNRWA pedindo por farinha ou lata de sardinhas:

-Preciso de um rifle para lutar com os revolucionários.

Ele respondeu:

-“Você não entende o idioma árabe? Eu disse que não temos rifles!”

E quem está indo defender a pátria?

O oficial continuou:

-“Os revolucionários acham os seus próprios rifles, vá achá-lo e volte
aqui”.

-Posso morrer antes de consegui um rifle.

Com tom de deboche o oficial retrucou:

-“Você acha que aqui são férias de verão?”

-Não, adeus.

O oficial desencadeou minha filosofia novamente! Fiquei pensando:

– “Alguém pode morrer antes mesmo de ter um rifle.”

Assim, repensei e reconsiderei minha breve conclusão número um até chegar a esta formulação…

“Mais importante do que ter um rifle é encontrar a morte com um nobre ideal… É achar um nobre ideal, antes da morte.”

E esta, senhoras e senhores, foi minha breve conclusão número dois!

TERCEIRO ATO


[O ator diante da plateia em monólogo]

Não foi tão difícil achar um rifle perto de nossa casa, num local onde as forças de ocupação enfrentam a resistência dos revolucionários. Quando os tiros pararam, fui até o campo de batalha e encontrei um soldado das forças de ocupação morto, com um rifle sob seu braço. Julguei que um cadáver não faria nada com um rifle. Aproximei-me do corpo, ergui seu braço e peguei o rifle. Sentei-me numa pequena colina e pensei:

-Agora tenho meu rifle.


[Canção em árabe tocada pelo ator com o alaúde]:


“Sessenta anos…
E estou procurando minha pátria e identidade.
Sessenta anos…
E estou procurando minha pátria e identidade.
Procurando por minha casa lá
Numa pátria cercada por arames farpados.
Procurando por minha infância
E pelos meus amigos de infância.
Procurando por minha infância
E pelos meus amigos de infância
Por minhas fotos e meus livros
Por minhas fotos e meus livros…”

QUARTO ATO


[O ator diante da plateia em monólogo]


Juntei-me à causa revolucionária, tenho um rifle e camaradas. Não parei de filosofar, é claro, pelo contrário. Os camaradas se habituaram a encontrar conforto em minha filosofia. Achei útil usá-la para explicar e analisar eventos. Eu era o mais velho deles, depois de Hajj Khalil – que sua alma descase em paz – isso me dava intimidade para falar com eles, após todos os martírios e todas as batalhas – sobre a morte, a filosofia e minhas breves conclusões. Depois de todo martírio, minha filosofia se desenvolveu e minhas breves conclusões se cristalizaram. Hajj Khalil foi martirizado – que sua alma descase em paz – em sua mão direita estava seu rifle e em sua mão esquerda, uma bengala. Ele era um camponês… analfabeto, sua riqueza era sua pátria, sua terra. Antes de ser martirizado estava jurando e amaldiçoando. Tinha pensado um discurso de lamento pelo mártir e, quando os camaradas reuniram-se, eu disse:

-“Camaradas! Camaradas! Camaradas! O nobre ideal não requer
compreensão… requer sentimento!”

E esta, senhoras e senhores, é minha breve conclusão número três.


[Canção em árabe tocada pelo ator com o alaúde]:

“Eu te deixei na escassez de figo e azeitonas,
Vesti sua nudez com vestidos perfumados
Feitos com a destruição da casa
Eu adoro você viva
Eu adoro você morta
Eu adoro você viva
Eu adoro você morta
Eu tenho tomilho para satisfazer minha fome
Limpei minha face em seus cabelos pardos
Minha empoeirada face rubra”

QUINTO ATO


[O ator diante da plateia em monólogo]


Logo após, o martírio de Walid Masoud. Ele tinha deixado base e atacou um soldado com uma faca. Foi alvejado pelas costas.

Como de costume tinha que pensar um discurso de lamento pelo mártir. Estávamos todos reunidos e, então, eu disse:

“Camaradas! Camaradas! Camaradas! A coragem é a medida da sinceridade.”

E está, senhoras e senhores, é minha breve conclusão número quatro.


SEXTO ATO


[O ator diante da plateia em monólogo]

Um tempo depois, aquele oficial que me expulsou no início da história, estava de uniforme desta vez, pediu-me para ir até o porto verificar o movimento dos inimigos. Como ele disse, e como você podem ver, minha face estava triste e calma. O que não chamaria a atenção para mim. Assim fui até lá sem carregar nenhuma arma comigo.

Eu caminhei em volta do porto como um pavão, mas algumas vezes o vento perturba os navios. No caminho de volta, um soldado me reconheceu. Capturaram-me e apresentaram-me ao oficial da ocupação, que ficou em minha frente sentindo medo… deu um tapa em meu rosto e gritou:


[O ator grita rispidamente como se fosse o oficial assustado.]


-“Você é rebelde?”


-Respondi: É claro.


-“Te amaldiçoo seu bastardo!”


-Você deseja, eu disse.

Aqui, sem meus camaradas e para confortar-me disse:

“Bater num prisioneiro é uma expressão de arrogância e medo”.


E esta é minha quinta breve conclusão, senhoras e senhores.


SÉTIMO ATO


[Um outro ator, sentado, diante da plateia em monólogo]

Abdul-Jabbar foi capturado pelas forças de ocupação e torturado pelos soldados. Pediam para ele entregar locais das bases dos revolucionários, mas Abdul-Jabbar não nos traiu. Ele jogou na face do soldado que o torturava uma breve conclusão:

-“Traição é uma morte desprezível!”

Numa noite estávamos nos preparando para a batalha, vimos Abdul- Jabbar nos portões da base. Atrás dele, duas linhas de soldados, ele gritou mais alto do que as balas da morte:

“Eu trouxe para você cinquenta soldados e deixei a pátria gritando!”

Nós não conseguimos definir de onde os tiros vinham, senti como se fosse o fim do mundo. Nossas vozes ficaram insignificantes, nossos corpos penetrados por balas… Aqueles que sobreviveram, não foram assassinados. E, martirizados foram deixados para serem cuidados pela terra.

[O ator, sentado, diante da plateia em tom de desespero entoa:]

“Tiros, fogo, sangue, cadáveres… cheiro de morte e cheiro da pátria
Tiros, fogo, sangue, cadáveres… cheiro de morte e cheiro da pátria
Tiros, fogo, sangue, cadáveres… cheiro de morte e cheiro da pátria”

Nós éramos capazes de ouvir Abdul-Jabbar dizer:


-“Mesmo se um de nós morra… é importante continuarmos!”

Foto de Ghassan Kanafani

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